Do Obvious
Ian Curtis,
vocalista dos Joy Division, foi encontrado morto em Macclesfield, numa manhã de
domingo, 18 de Maio de 1980. Tinha 23 anos. Havia cometido suicídio. Ian estava
no momento envolvido nas gravações de um novo álbum, um novo single, e em vésperas
de embarcar na primeira tournée internacional com a banda pela América...nascia
o mito.
Primeiro estranha-se, depois há um
choque profundo na nossa alma, depois tudo se adoça perante a beleza sombria e
crua dos poemas de Ian Curtis, acompanhados pelas melodias envoltas em neblina
sonora, ritmo militar de bateria e um sentimento profundo em cada riff
dedilhado. Não é fácil tornar a ser a mesma pessoa após conhecer esta
extraordinária banda. E isso não é de todo, mau. De facto, é maravilhoso.
Tudo começou quando, em 1976, Ian Curtis conheceu
os seus futuros colegas de banda num concerto dos Sex Pistols em Manchester.
Eram eles : Bernard Sumner na guitarra, Stephen Morris na bateria e Peter Hook
no baixo. Ofereceu-se para vocalista e compositor. Nasceram então os Warsaw,
versão punk da futura banda, os Joy Division que viriam a durar de 1976 a 1980.
São talvez, a banda mais famosa do post-punk. Editaram apenas dois álbuns, pela
Factory, editora do famoso Tony Wilson. O álbum Unknown Pleasures de 1979 e Closer de 1980. No entanto, foi com o single Love Will Tears Us Apart lançado após a morte de Ian Curtis que se tornaram
famosos.Passaram a figurar na história da música mundial.
Ian sempre gostou
de musica, de literatura, especialmente de poesia... desde pequeno. Com o
surgimento do punk e do lema “Do it Yourself” (faz tu mesmo), a possibilidade
para qualquer jovem amante de musica subir a um palco nunca foi tão real. As
portas abriram-se nesse sentido e qualquer um poderia de facto, mesmo não sendo
tecnicamente assombroso, ter uma banda e possível sucesso.
Não é o caso dos
Joy Division, eles sabiam bem tocar e o que faziam. Conheceram-se desse modo
ainda o punk vigorava e acabaram por ser pioneiros no que se seguiu : O
post-punk. Uma resposta antagónica ao punk. De facto a musica dos Joy Division
é intimista, mais virada para as emoções humanas, sombria, com melodias simples
mas negras, profunda pela poesia das suas letras que tanto roçavam o
auto-retrato da alma de Ian Curtis, mas ao mesmo tempo também podia ser
dançável e enérgica. Alguns exemplos dessa obscuridade devastadora são as
musicas : Decades e The Eternal do
segundo e póstumo álbum Closer. Este álbum surge
aliás, como uma coincidência macabra, visto que o próprio titulo, a art-work da
capa principal ( Uma lápide do cemitério Staglieno,em Génova, Itália) e a
sonoridade pesada parecem prever o que de facto iria acontecer : Ian
enforcou-se na sua cozinha em Macclesfield, segundo a lenda ouvindo o álbum The Idiot de
Iggy Pop.
Ian sofria de epilepsia. Nos anos 80 a
cura para esta doença ainda passava muito pela combinação de vários
medicamentos de modo a se descobrir a formula mais eficaz de controlo dos ataques.
No entanto, além dos efeitos secundários, a doença não era de modo algum
compatível com o modo de vida de “ rock star” que Ian levava. Após o sucesso do
álbum Unknown Pleasures, em 1979, o
primeiro da banda, a epilepsia de Ian começava a agravar-se em palco. Tanto que
começa a tornar-se uma espécie de dança em transe espiritual para quem
assistia...O público ignorava estes factos estando longe de imaginar que o que
se passava na realidade é que ele tinha fortes crises epilépticas em plena
actuação. A sua vida pessoal também era atribulada conhecendo-se a ligação
extra-conjugal com Annik Honoré enquanto mantinha o casamento com Deborah
Woodruff, casados quando ele apenas tinha 19 anos e ela 18 anos. Pelo meio
nascera Natalie que tinha apenas um ano quando o pai partiu.
Existem sobre Ian actualmente centenas de
biografias online, livros e até um filme bastante agraciado pela crítica : “Control” de Anton Corbijn. Control é um filme biográfico a preto e branco sobre a vida
e a morte de Curtis, relatando os primórdios da banda e a sua vida conjugal até
ao seu suicídio. Foi escrito a partir do livro da esposa de Ian, Deborah
Curtis, intitulado Touching
from a Distance. O filme estreou em 2007, abriu o
Festival de Cannes desse ano com óptimas críticas ganhando pelo meio diversos
prémios cinematográficos independentes.
Os poemas de Ian
Curtis são de uma beleza inebriante, por vezes chocante, de tão explicitamente
nos confrontar com os seus medos, frustrações e desesperos e consequentemente,
ir ao mais intimo de nós próprios. Além do inegável talento, este ser possuía
uma voz de barítono inconfundível. Foi pioneiro como compositor, no sentido em
que até ele, ninguém tinha exposto tais destroços emocionais como alienação,
isolamento, um amor acabado... de maneira tão frontal. Atinge-nos como uma
bofetada directamente ao coração. Após Jim Morrison, Ian Curtis foi
provavelmente o seguinte poeta do Rock, mas mais amargurado, castigado pela
doença, pela personalidade melancólica, pelos problemas conjugais e pelo
crescente sucesso da banda. Ian é mais uma prova que a morte, infelizmente,
engrandece.
E enquanto tremia e gesticulava em
palco, vestido de negro, olhos azuis brilhantes… assim cantava :
"Mother I tried please believe me,
I'm doing the best that I can.
I'm ashamed of the things I've been put through,
I'm ashamed of the person I am
Isolation"
"Mãe, eu tentei, por favor acredita em mim
Estou a fazer o melhor que posso
Tenho vergonha das coisas que tenho feito
Tenho vergonha da pessoa que sou
Isolamento"
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