segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A estratégia dos grandes: os problemas atuais da maior fabricante de guitarras do mundo


Do Estadão

Empresa produz uma das mais famosas guitarras do mundo

Em 1948, um técnico de rádio chamado Leo Fender juntou um pedaço de madeira do tipo Ash a outro do tipo Maple e o conectou a um captador. O resto da história vocês conhecem. Ao menos já ouviram parte dela pelas guitarras de Buddy Holly, Jimi Hendrix, George Harrison, Keith Richards, Eric Clapton, Bruce Springsteen, Kurt Cobain e tantos outros. É o som de uma guitarra elétrica Fender.

A empresa criada pelo técnico de rádio – agora conhecida como Fender Musical Instruments Corporation – é a maior fabricante de guitarras do mundo. Sua Stratocaster, lançada em 1954, ainda é uma das mais vendidas e virou sinônimo de rock ’n’ roll.

Mas esse coração do rock já não pulsa mais como antigamente. Assim como muitas outras fabricantes americanas, a Fender luta para se manter numa economia em crise. Neste ano, as vendas e os lucros caíram. Afinal, uma Stratocaster é o que os economistas chamam de produto de consumo supérfluo. 

Mas o problema não é só macroeconômico. A Fender, sediada em Scottsdale, Arizona, também foi atingida por forças poderosas em Wall Street. Dona de quase metade da fabricante de guitarras, a empresa de investimentos Weston Presidio está atrás de uma saída. Em março, ela pressionou a Fender a abrir o capital provocando boatos de que a empresa seria vendida. A situação foi constrangedora porque os investidores se mostraram hesitantes. Eis o “x” da questão.

Os tempos mudaram e a música também. Nos anos 50, 60 e 70, as guitarras elétricas alimentavam o rock e a música pop. Hoje, mesas e baterias eletrônicas produzem hip-hop. Jogos de vídeo game como Guitar Hero ajudaram a sustentar as vendas, mas os adolescentes que antes desejavam desesperadamente uma guitarra, agora fazem música nos laptops. 

Durante a crise, a venda de todos os tipos de instrumentos musicais despencaram, e ainda não se recuperaram totalmente. No ano passado, esse mercado movimentou US$ 6,5 bilhões – 13% menos do que o auge, em 2005. Sem contar que as guitarras chinesas custam uma pequena fração de uma Fender.

Embora já produza linhas mais baratas no exterior, o fato é que a fabricante está com as margens pressionadas. As dificuldades financeiras também já atingiram outra empresa americana do setor, a Guitar Center, maior cadeia de lojas de instrumentos musicais do mundo. Assim como a Fender, ela é controlada por um fundo de private equity – a Bain Company.

A Guitar Center é responsável por cerca de um sexto das vendas da Fender – e os vínculos entre as duas são profundos. O diretor executivo da Fender, Larry Thomas, dirigia a Guitar Center. Ele vendeu a empresa em 2007 para a Bain por US$ 2,1 bilhões. Desde então, a varejista vem perdendo dinheiro. A Moody’s já rebaixou a classificação de risco da companhia duas vezes. 

História. Em 1965, Leo Fender vendeu sua empresa para a CBS por US$ 13 milhões. Os cortes de custos que vieram a seguir levaram a uma queda considerável da qualidade e das vendas. Ao mesmo tempo, a japonesa Yamaha ganhou mercado com guitarras de qualidade e muito mais baratas. Em 1980, os problemas chegaram ao ápice quando a Fender registrou um prejuízo de US$ 10 milhões com apenas US$ 40 milhões de vendas. “Em 1970, ninguém queria um instrumento musical Yamaha, mas em 1980 a companhia começou a dominar o mercado”, diz Bill Mendello, ex-diretor da Fender e hoje membro do conselho. “E, francamente, elas eram mais bem feitas e muito mais baratas do que as produzidas nos EUA.”

Nos anos 80, Mendello, na época um dos altos executivos da divisão de instrumentos musicas da CBS, e Bill Schultz, então presidente da Fender, elaboraram um plano para salvar a empresa, que previa investimentos de US$ 50 milhões em cinco anos e a reorganização da área de marketing. Três anos depois de o plano estar em vigor, a nova administração da CBS decidiu vender a divisão de música.

Como a Fender perdia dinheiro, havia poucos compradores. A CBS chegou a pensar na possibilidade de liquidar a empresa, mas Schultz e Mendello colocaram em ação um outro plano, que finalmente tirou a empresa do vermelho. A empresa recuperou a qualidade e começou a fabricar guitarras internacionalmente, principalmente no Japão e na Coreia do Sul. Leo Fender morreu em 1991 aos 81 anos. Dez anos depois, a Weston adquiriu uma participação de 43% da Fender por US$ 58 milhões.

Crise. Mendello diz que a recente recessão foi mais crucial para a Fender do que as crises passadas. “Todo o setor musical foi profundamente afetado”, afirma. “As pessoas tinham medo de comprar ou de fazer qualquer coisa porque não sabiam se teriam um emprego.” A companhia foi afetada também pela crise econômica na Europa, continente que representa 27% das vendas.

Além de já ser vista com desconfiança por analistas de Wall Street por causa da queda das vendas, a empresa virou alvo de críticas por ter feito um mau negócio em 2008. Naquele ano, a Fender comprou a KMC Music, uma distribuidora de instrumentos musicais que vêm apresentando margens de lucro muito baixas. 

Foi nesse contexto, que a empresa tentou abrir o capital em março deste ano. O negócio levaria à companhia a um valor de US$ 396 milhões. Parece pouco se comparado ao valor do Facebook, mas é um preço alto para uma empresa do tamanho da Fender. Banqueiros e investidores acharam graça. A empresa tentava abrir o capital como uma companhia “de crescimento” embora suas vendas estivessem declinando. “Era um absurdo”, diz Arnold Ursaner, presidente da CJS Securities.

Em Wall Street, comentava-se que a Weston estava forçando um preço alto demais. Os executivos da Weston não quiseram comentar o fato. “Eles tinham a esperança de que ninguém prestasse atenção para a tendência negativa das vendas”, diz Ursaner. Nos documentos apresentados para a oferta pública inicial, a Fender mostrou que havia condições de crescer com a futura venda para mercados emergentes, o aumento de acordos de licenciamento e de compartilhamento de marcas e aquisições estratégicas.

Apesar da situação embaraçosa, Mendello não descarta uma futura oferta pública. Segundo ele, a Fender deve tentar abrir o capital mais cedo do que se imagina, porque cerca de US$ 237 milhões dos seus US$ 246 milhões em dívida de longo prazo vencerão em 2014. Mendello, que possui 4,8% da Fender, afirma que nem ele nem os outros acionistas da companhia estão preocupados em lucrar. “Faremos o que for bom para a Fender.” 

Tradução: Anna Capovilla

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